Lula tem razão
Confira alguns desdobramentos da fala do presidente brasileiro e análise de integrantes da José Martí
Atualização às 16h35: o governo dos Estados Unidos vetou nesta terça-feira (20) no Conselho de Segurança da ONU a proposta de cessar-fogo feita pela Argélia, alegando que atrapalharia a proposta que estaria costurando com Egito e Catar.
Enquanto o governo dos Estados Unidos decide se propõe ainda hoje, terça-feira, 20/2, ao Conselho de Segurança da ONU um cessar-fogo por parte de Israel na Faixa de Gaza (proposta já apresentada pelo Brasil em outubro de 2023 e mais recentemente, agora no dia 17, pela Argélia), a extrema-direita nacional e internacional volta sua máquina de canalhices ao presidente do Brasil por sua entrevista em 18 de fevereiro, em Addis Abeba, Etiópia, em que aponta o genocídio contra o povo palestino.
Lula havia discursado na 37ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo da União Africana, realizada na cidade etíope, e, em seguida, participou de uma coletiva de imprensa, na qual respondeu sobre a situação em Gaza:
E qual é o tamanho do coração solidário dessa gente [o mundo rico], que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio! Porque não é uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um exército, altamente preparado, e mulheres e crianças.
Luis Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil - Addis Abeba, 18 de fevereiro
O presidente da Associação Cultural José Martí da Baixada Santista, Aníbal Ortega, demonstrou preocupação com os ataques e clamou por uma reação:
A direita fascista do Brasil e de todo o mundo está propondo o impeachment do presidente Lula. A palavra de ordem agora é de todo apoio ao Lula.
Aníbal Ortega
A diretora de Direitos Humanos da José Martí, Gabriela Ortega, destacou a importância do cenário das declarações do presidente: “Feliz demais em constatar que os ares africanos fizeram nosso presidente intensificar sua posição em defesa da Palestina e pelo fim imediato dos bombardeiros em Gaza”.
Ela lembra que no início de dezembro outra delegação brasileira havia passado por Addis Abeba rumo à Quinta Convenção Global para a Solidariedade com a Palestina, realizada na África do Sul, da qual a própria Gabriela Ortega participou. “Da África do Sul voltamos certos da vitória do povo palestino e empenhados em fortificar a solidariedade com este povo”.

Vozes Judaicas por Libertação
Hoje mesmo, o coletivo Vozes Judaicas por Libertação, formado por professores, educadores, ativistas e empresários judeus brasileiros, divulgou nota em defesa de Lula. Leia trecho:
Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós. Uma comparação que causa muita dor a judias e judeus de todo o mundo, que tiveram suas vidas cindidas pelo genocídio dos judeus na Europa, e agora veem um crime similar sendo cometido, supostamente em seu nome. Enquanto coletivo de judias e judeus, temos antepassados que foram vítimas do Holocausto nazista, e entendemos que nosso imperativo ético é nos posicionarmos contra o genocídio do povo palestino e contra a utilização da nossa defesa como justificativa.
Vozes Judaicas por Libertação
Liberalismo e colonialismo
Em postagem em seu perfil no Facebook, o professor, mestre e doutor em Educação Leonardo Sacramento, autor de Discurso sobre o branco: notas sobre o racismo e o “apocalipse” do liberalismo (Alameda, 2023), lembrou da matança da colonização europeia sobre povos africanos e asiáticos: os 20 milhões de congoleses mortos por Leopoldo II, rei da Bélgica, ou os 6 milhões de indianos mortos pelo Império Britânico em campos de concentração no mesmo período que judeus, comunistas, deficientes e romanis. Se tomarmos todo o período de colonização britânica na Índia entre 1840 e 1950, o número de mortos chega a 150 milhões, número contabilizado por Mike Davis em Holocaustos Coloniais.
”O exclusivismo do Holocausto como o pior, único e irreprodutível genocídio da humanidade é uma criação da direita europeia e do ocidentalismo. Para essa concepção de mundo, digamos assim, o que aconteceu na Europa é de longe o que há de pior na humanidade. O que os europeus fizeram fora da Europa fazem parte de um processo civilizatório considerado normal e esperado, jamais podendo ser comparado ao que aconteceu na Europa.”
Em outro trecho, ele continua: “O exclusivismo do Holocausto permite que os liberais se dissociem do nazi-fascismo, como se tudo tivesse sido fruto de loucura coletiva e frustração individual de Hitler por um suposto fracasso da carreira de pintor”.
Isolamento de Israel
Em nota à Folha de S. Paulo, o ex-chanceler brasileiro Celso Amorin, atual assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, considera que a fala do presidente Lula pode ter consequências na redução do conflito: “A fala do Lula sacudiu o mundo e desencadeou um movimento de emoções que pode ajudar a resolver uma questão que a frieza dos interesses políticos foi incapaz de solucionar”.
A expectativa é a fala do presidente brasileiro abra espaço, nos próximos dias, para chefes de Estado de outros países também condenarem o governo israelense. Daí a virulência da reação.
Em entrevista à Rádio Brasil Atual no dia 18, o diretor de Relações Internacionais da José Martí, Marcelo Buzetto, afirma que o governo colonialista de Israel “não dá ouvidos a qualquer apelo internacional” e que está construindo seu próprio processo de isolamento político. “Isso vem de sua violência agressividade e falta de disposição em negociar, em estabelecer qualquer tipo de acordo em aceitar o pedido de cessar-fogo imediato e de liberação total da ajuda humanitária”.
Confira a entrevista na íntegra:
Sobre a perseverança
Mahmoud Darwish (1941-2008), poeta e escritor palestino
Se a oliveira se lembrasse de quem a plantou
O azeite seria lágrimas!
Sabedoria dos ancestrais,
Se lhe ofertássemos de nossa carne um escudo!
Mas a planície do vento
Não oferta aos escravos do vento cereais!
Arrancaremos com os cílios
Os espinhos e as mágoas… arrancaremos!
Para onde levaremos nossa desonra e nossa cruz!
E o universo prossegue…
Permaneceremos na oliveira em seu verdejar
E ao redor da terra como escudo!!
Nós amamos as rosas,
Mas amamos o trigo ainda mais.
Nós amamos a fragrância das rosas,
Mas mais puras são as espigas de trigo.
Protejam, pois, o trigo do tempo
De peito cravado,
Tragam a cerca vinda do centro…
Dos corações, e como pode ela ser rompida?
Segurem o gargalo das espigas
Como a empunhar uma adaga!
A terra, o camponês e a determinação
Diga-me: como podem ser derrotados…
Essa tríade
Como pode ela ser derrotada?
Do livro A terra nos é estreita e outros poemas, traduzido por Paulo Farah (São Paulo: Edições Bibliaspa, 2012.